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22 de fev. de 2013

Sociologia - TEXTO 1 - PARA 3º ANO




O Renascimento

Introdução

O Renascimento é considerado um dos mais importantes momentos da história do Ocidente entendido por muitos estudiosos como a ruptu­ra entre o mundo medieval, com suas características de sociedade agrá­ria, estamental, teocrática e fundiária, e o mundo moderno urbano, bur­guês e comercial.
Mudanças significativas ocorrem na Europa a partir de meados do século XV lançando as bases do que viria a ser, séculos depois, o mun­do contemporâneo. A Europa medieval, relativamente estável e fecha­da, inicia um processo de abertura e expansão comercial e marítima. A identidade das pessoas, até então baseada no clã, no ofício e na propri­edade fundiária, encontra outras fontes de referência no nacionalismo e no cultivo da própria individualidade. Uma mentalidade mais laica foi se desligando do sagrado e das questões transcendentais para se ocupar de preocupações mais imediatistas e materiais, centradas prin­cipalmente no homem.
E, embora as dúvidas metafísicas que ocupam o pensamento humano desde a Antigüidade continuassem como objeto de reflexão, há crescen­te interesse por um conhecimento mais pragmático do que meramente especulativo.

Diferentes visões do Renascimento
Segundo alguns historiadores, essas transformações, que se processa­ram cada vez em ritmo mais acelerado a partir dessa época, deram ori­gem a uma mentalidade renovadora, repudiando o misticismo e o conservadorismo próprios do feudalismo, por isso mesmo considerado por eles como a Idade das Trevas e do obscurantismo. Esses pensadores avaliaram de forma positiva as mudanças que abalaram primeiramente a Itália e depois os demais países da Europa — responsáveis pelo desen­volvimento do comércio, da navegação e do contato com outros povos, pelo crescimento urbano e pelo recrudescimento da produção artística e literária. Por tudo isso e pela retomada de princípios norteadores da cul­tura greco-romana, rejeitados, em parte, pelo pensamento medieval, esse movimento recebeu o nome de Renascimento, sinônimo da importância que passou a ser dada ao saber, à arte e à erudição.
Outros historiadores, entretanto, mais pessimistas, percebem essa época como um período de grande turbulência social e política. Para eles, é impossível não reconhecer como características marcantes do Renascimento a falta de unidade política e religiosa, os conflitos entre as nações que se formavam, as guerras intermináveis e as perseguições reli­giosas, desenvolvidas no esforço de conservação de um mundo que ago­nizava. Consideram como sintomas dessa conjuntura os exílios, as con­denações, os longos processos políticos e eclesiásticos, os grandes genocídios promovidos na América e o ressurgimento da escravidão como instituição legal. Significativo também desses conflitos foi o desenvolvi­mento de uma filosofia pessimista da história, pautada em uma angústia escatológica na perspectiva da proximidade do fim do mundo.
De fato, um certo clima de fim de mundo perpassa a produção artís­tica do período, expresso na Divina comédia de Dante Alighieri, no juízo Final de Michelangelo, pintado na Capela Sistina, em Roma, e em vários quadros do artista flamengo Hieronymus Bosch. Um sentimento de insegurança e instabilidade está presente na produção cultural des­sa época de profunda transição.

A retomada do espírito especulativo
Apesar dessas contradições - e talvez por causa delas - o Renascimento representa uma nova postura do homem ocidental dian­te da natureza e do conhecimento. Juntamente com a perda de hegemonia da Igreja como instituição e o conseqüente aparecimento de novas doutrinas e seitas conclamando seus seguidores a uma leitura interpretativa dos textos sagrados, o homem renascentista redescobre a importância da dúvida e do pensamento especulativo. O conhecimen­to deixa de ser encarado como uma revelação, resultante da contem­plação e da fé, para voltar a ser, como o fora para os gregos e romanos, o resultado de uma bem conduzida atividade do pensamento.
Assim, filosofia, ciência é arte se voltaram para a realidade concre­ta, para o mundo, numa ânsia por conhecê-lo, descrevê-lo, analisá-lo, medi-lo, quer por meio de instrumentos e técnicas, quer por meio da pena e do pincel.
"O visível é também inteligível", afirmou Leonardo da Vinci, alu­dindo às possibilidades de conhecimento pelo pleno uso dos senti­dos e da mente.
Por outro lado, a vida terrena parece adquirir cada vez mais impor­tância e com ela a própria história, que passa a ser concebida de um ponto de vista eminentemente humano. Estimulado pelo individualis­mo e liberto dos valores que o prendiam irremediavelmente à família e ao clã, o homem assume seu papel na história como agente dos acon­tecimentos. Assim, aos poucos, ele rejeita as teorias que o apresentam como pecador e decaído, um ser em permanente dívida para com Deus, para assumir, numa nova perspectiva humanista e laica, a sua partici­pação ativa na história.
A arte expressa de forma ímpar essas transformações: Shakespeare, cujos personagens parecem ter engendrado as características do ho­mem moderno, evoca constantemente em suas peças as dificuldades humanas diante de sentimentos contraditórios e da liberdade de ação. Também repletas de grandiosidade são as imagens com que Michelangelo representou a criação do mundo, acontecimento apaixonante que aproxima, de forma inovadora, Deus e o homem.

Esse o homem novo do Renascimento: aquele que se liberta cia tradição pela dúvida e confirma seu valor através dos resultados de seus esforços; aquele que confia em suas experiências e em sua razão: o que confia no novo. pois assume sua realização dentro da temporalidade.

É nesse ambiente propício de curiosidade, dúvida e valorização hu­mana que o pensamento científico adquire nova importância e, com ele, o interesse pelo entendimento da vida social. O desenvolvimento das cidades e do comércio, as viagens marítimas, o contato com outros povos desafiavam os homens a pensarem a sua realidade próxima e a compararem diferentes culturas. Descobertas de riquezas, de terras, de regiões alimentavam a imaginação do homem renascentista, que pas­sou a valorizar o "novo" e a considerá-lo sinônimo de "maravilhoso". Estimuladas por ele, as pessoas rompiam com o passado e buscavam novas explicações para um cenário diferente que se descortinava e para o qual as antigas crenças não serviam mais.

Esse o horizonte em que se situa o descobrimento e a conquista do Novo Mundo, como se fora uma realização e uma fabulação da travessia desvendando espaços e tempos.

"Com a invenção da América a cultura cio Ocidente consegue, por fim, apropriar-se da totalidade da Terra como algo próprio... E a hora em que o homem ocidental concebe a si próprio como senhor nato cio cosmo."

Um novo pensamento social
Em um mundo cada vez mais laico e independente da tutela da reli­gião, o homem é levado a pensar e analisar a realidade que o cerca em toda sua objetividade, e não como resultado da vontade ou da justiça divina. E, assim como os pintores que se dedicam às minúcias das paisa­gens ou às medidas proporcionais das figuras numa perspectiva geométri­ca, os filósofos também passam a observar e a dissecar a realidade social.
O aparecimento de novas instituições políticas e sociais — as nações, os estados, as legislações e os exércitos — levam os estudiosos a repensar a vida social e a história, tornando evidente o papel da consciência, da vontade, do discernimento e da intervenção humana nos rumos dos acontecimentos.
Ao mesmo tempo, a emergência da burguesia comercial, com novas aspirações e interesses, exigia transformações políticas e sociais. Para dar espaço a elas, abandona-se a idéia de uma realidade social estática, de origem divina, em favor da concepção de uma vida social dinâmica e em permanente construção.
Nessa visão especulativa da vida social está o germe do pensamento social moderno que vai se expressar na literatura, na pintura, na filosofia e, em especial, na literatura utópica de Thomas Morus (A Utopia), Tommaso Campaneila (A cidade do Só!) e Francis Bacon (Nova Atlântida).

As utopias
Como os gregos antigos, os filósofos renascentistas refletiram sobre a so­ciedade por meio de textos nos quais desenvolviam o modelo do que seria, aos seus olhos, uma sociedade perfeita. Assim como a lendária Atlântida, reino imaginário referido por Platão nos diálogos de Timeu e Crítias, Thomas Morus concebeu Utopia — uma ilha na qual os habitantes haviam alcança­do a paz, a concórdia e a justiça. Significativamente, o autor batiza sua ilha de Utopia, nome que significa "nenhum lugar" — único espaço onde pare­ce ter um dia reinado a harmonia, o equilíbrio e a virtude.
Em Utopia todos vivem sob as mesmas condições de vida e são respon­sáveis pelas mesmas tarefas e atividades, distribuídas entre eles por rodízio. A igualdade entre as pessoas e os ideais de vida comunitária são garantidos por uma monarquia constitucional que funciona da seguinte maneira: cada grupo de trinta famílias escolhe seu representante para o Conselho, que por sua vez elege o imperador para um mandato vitalício. Cada ato real é acom­panhado pelo Conselho, que consulta as famílias sempre que necessário.
Assim como os privilégios e as obrigações, a repartição de alimentos também se dá de forma comunitária. Ninguém precisa pagar para obter os bens de que necessita, pois há de tudo em profusão — a vida é sim­ples, sem luxo e todos trabalham.
Como obra típica do Renascimento, A Utopia, de Thomas Morus, expressa tanto idéias emergentes como reminiscências feudais: apresenta os mesmos ideais de vida moderada, igualitária e laboriosa praticados pelos monastérios pré-renascentistas, assim como defende, em termos políticos, a monarquia absoluta. Mas já propõe ideais modernos que reconhecem a representatividade social como única fonte de legitimidade do poder e a necessária sujeição do soberano às regras que o consagraram. E, refletin­do também outros anseios de sua época, Thomas Morus considera possí­vel a realização do mundo ideal por ele proposto graças ao planejamento e intervenção de um rei — Utopos, o fundador da Utopia — cujo valor principal é a sabedoria.

Utopia

Utopia vem dos termos gregos ou (não) e topos (lugar). Significaria literalmente "nenhum lugar". Corresponde na história do conhecimen­to a essa evocação, por uma aspiração, sonho ou desejo manifesto, de um estado de perfeição sempre imaginário. Na medida, entretanto, em que a utopia enfoca um estado de perfeição, ela realiza, por oposição, um exercício de análise, crítica e denúncia da sociedade vigente. O estado de perfeição ensejado na utopia é necessariamente aquele pelo qual se tornam evidentes as imperfeições da realidade em que se vive.
Mas, apesar de seu caráter de evasão da realidade, a utopia revela uma apurada crítica à ordem social, podendo inclusive se transformar em autêntica força revolucionária, como indicam os grandes movimentos messiânicos vividos pela humanidade, ou seja, aqueles movimentos que têm por meta a redução da humanidade ou a salvação do mundo.

Thomas Morus
(1478-1535)

Nasceu em Londres. Foi pensador, estadis­ta, advogado e membro da Câmara dos Co­muns. Como bom humanista, desenvolveu estudos sobre o grego antigo. Em 1518, foi nomeado membro do Conselho Secreto de Henrique VIII e chegou em 1529 a ocupar o mais alto cargo do reino. Opôs-se à anulação do casamento cie Henrique VIII, recusando-se a jurar fidelidade à Igreja Anglicana fundada pelo rei, em parte por ser católico e em parte por ser contrário aos desmandos da autorida­de real. Foi preso, condenado e executado. Em 1935 foi canonizado pela Igreja Católica e sua festa é celebrada em 6 de julho, dia de sua morte. Sua grande obra é A Utopia.
Cidade do Sol e Nova Atlântida seguem o mesmo modelo pelo qual denunciam os males da sociedade — a rivalidade entreos homens, a injustiça e as desigualdades — que, embora superados apenas pelo mito, já se apresentam como temas da re­flexão dos humanistas e ideais de vida a serem perseguidos pelos homens.

Seriam essas obras sociológicas? Certamen­te são diferentes dos estudos sociológicos que se desenvolveram mais tarde, mas já expres­sam as reflexões dos filósofos diante da vida social e dos problemas de sua época — as desigualdades sociais e o abuso de poder dos soberanos. Anal isar a sociedade em suas con­tradições e visualizar uma maneira de resolvê-las, acreditar que da organização das relações políticas, econômicas e sociais de­rivam a felicidade do homem e seu bem-es­tar é, seguramente, o germe do pensamento sociológico.  


Maquiavei:
O criador da ciência política

Nicolau Maquiavei, pensador florentino, escreveu O príncipe, texto dedicado a Lou-renço de Mediei (1449-1 492), governador de Florença e personagem importante dessa época, protetor das artes e das letras, mas, também, um ditador. Nessa obra, Maquiavei se propõe a analisar o poder e as condições pelas quais um monarca absoluto — o prín­cipe — é capaz de conquistar, reinar e man­ter seu poder.
Como Thomas Morus, Maquiavei acredita que a paz social depende das características pessoais do príncipe — suas virtudes —, das circunstâncias históricas e de fatos que ocor­rem independentemente de sua vontade — as oportunidades. Acredita também que do bom exercício da vida política resulta a feli­cidade do homem e da sociedade. Mas, sen­do mais realista do que seus contemporâneos utopistas, Maquiavei faz de O príncipe um manual de ação política, cujo ideal é a conquista e a manutenção do poder. Disserta a respeito das relações que o monarca deve manter com a nobreza, o clero, o povo e seu ministério. Mostra como deve agir o soberano para alcan­çar e preservar o poder, como manipular a vontade popular e usufruir seus poderes e alianças. Faz uma análise clara das bases em que se assenta o poder político: como assegurar exércitos fiéis e corajosos, como castigar os inimigos, como recompensar os aliados, como des­truir, na memória do povo, a imagem dos antigos líderes.

Nicolau Maquiavei
(1469-1527)

Nasceu em Florença, mas fez sua carreira diplomática em diver­sos países da Europa. De 1 502 a 1 512 esteve a serviço de Soderini, presidente perpétuo de Florença. Ajudava-o nas decisões políticas, escrevia-lhe discursos e reorganizou o exército florentino. Foi exila­do e afastado da vida pública quando Soderini foi destronado por Lourenço de Mediei. A partir de então, limitou-se a ensinar e a es­crever sobre a arte de governar e guerrear. É considerado o fundador da ciência política e, segundo alguns, nesse campo jamais foi supe­rado. Suas principais obras são: O príncipe e Discursos sobre a pri­meira década de Ti to Lívio.

A visão laica da sociedade e do poder

Em relação ao desenvolvimento do pensamento sociológico, a obra de Maquiavel estava à frente de A Utopia de Thomas Morus na medida em que o autor tinha por objetivo conhecer a realidade tal como se apre­sentava, em vez de procurar imaginar apenas como ela deveria ser. Exis­te em O príncipe uma observação arguta dos acontecimentos e das rela­ções humanas, além de uma visão menos idealizada do ser humano.
Mas é pelas obras de Thomas Morus e de Maquiavel que percebemos como as relações sociais passam a constituir objeto de estudo dotado de atributos próprios e a paz social deixa de ser, como no passado, conse­qüência do acaso, da vontade divina ou da obediência dos homens às escrituras. A sociedade já aparece, nessas obras, como resultado das con­dições econômicas e políticas e não da providência.
Além disso, esses filósofos expressam os novos valores da época ao colocar os destinos da sociedade e de sua boa organização nas mãos de um governante que se distingue por características individuais. A monar­quia proposta no Renascimento não se assenta na legitimidade do san­gue ou da linhagem, na herança ou na tradição, mas na capacidade pes­soal do soberano e em sua sabedoria.
Também a história como conhecimento objetivo dos fatos passa a íer um papel relevante no desenvolvimento dessa reflexão, como fonte de informação e experiência. Maquiavel se vale de acontecimentos e de líderes do passado como argumentos na defesa de suas idéias, demons­trando reconhecer que a vida social depende de leis que regulam o com­portamento social em diferentes épocas e lugares. Os fatos históricos devem ser analisados e servir como exemplos.
Assim, nas obras referidas há importantes elementos que caracterizam o pensamento sociológico: a crença na ação humana e em seu poder de­cisivo sobre a história, bem como a busca por regularidades capazes de fundamentar o estudo objetivo da sociedade. Por outro lado, esses textos já manifestam uma concepção emergente de poder — a monarquia cons­titucional na qual se realiza a aspirada aliança entre a burguesia e os reis que permitiu, a partir de então, o surgimento dos estados nacionais.

A Ilustração e a sociedade contratua
Uma nova etapa no pensamento burguês

O Renascimento foi o momento de transição da sociedade medieval para o capitalismo moderno — sistema econômico focado na produção e na troca, na expansão comercial, na circulação crescente de mercadorias e de bens materiais. Rompia-se a ordem feudal estamental e fundiária e emergia uma sociedade individualista e financista voltada para o desenvolvimento comercial e o lucro. Novos valores, sentimentos e atitudes passaram a reger a vida e o comportamento social.
Diferentemente do homem medieval, espiritualista, contido e gregário, o homem moderno é estimulado a amar a vida, a buscar a satisfação de suas necessidades de forma individual e a cultivar sua subjetividade feita de sen­timentos e de pontos de vista pessoais.
As cidades ganharam vida, atraindo pessoas de diferentes lugares dispos­tas a conquistar um espaço no mundo, a competir e a enriquecer. Seus anseios eram direcionados para a existência terrena e as conquistas materiais, fican­do em segundo plano as preocupações com a vida após a morte e as verda­des transcendentais. E, à medida que a Europa avançava para a Modernidade, essa mentalidade nova se afirmava e se difundia.
No campo econômico, uma atitude expansionista toma conta de todas as atividades e o lucro se torna o objetivo principal de qualquer atividade. No entanto, não se tratava do lucro praticado desde as mais remotas trocas comerciais, uma forma de remuneração do comerciante e do produtor pelo seu trabalho — uma quantia cuja monta não deveria exceder nunca os limi­tes estreitos capazes de assegurar o sustento dos agentes e de suas famílias. Um lucro que, ultrapassando essa fronteira, seria considerado antiético pela sociedade e pecaminoso pela Igreja.
Com o capitalismo, as atividades econômicas se libertam desses limites e o lucro se torna a finalidade primeira da atividade econômica, responsável pela acumulação de riqueza e pela prosperidade. Assim, enquanto um co­merciante na Antigüidade calculava seu ganho em função daquilo que ne­cessitava para viver e para repor o que fora gasto na prática do comércio — embarcações e escravos —, o negociante capitalista, livre de qualquer limi­te, estabelecia seu preço procurando estimar o valor máximo que os com­pradores se mostravam dispostos a pagar por seus produtos.
Essas novas condições de realização do comércio fizeram dele (com que ele se tornasse) uma das principais atividades econômicas no Renascimento, para a qual se organizaram viagens intercontinentais e se fizeram guerras nas quais eram disputadas as rotas comerciais, as fontes de produtos e maté­rias-primas e a clientela. As grandes navegações ocorreram nesse cenário.

O cientificismo
Essa valorização das trocas comerciais e as novas possibilidades de lucro que se abriam ao comerciante burguês acabaram por repercutir na produção, estimulando-a. Tornava-se urgente produzir mais e em condi­ções capazes de responder à demanda que se tornava cada vez mais insistente. Racionalidade e planejamento começam a ser exigidos dos produtores, bem como o desenvolvimento de tecnologia para a produ­ção em larga escala. O estímulo à invenção de máquinas que potencializassem a produção, com a promessa de prêmios em dinheiro, provocou uma verdadeira corrida por engenhos tecnológicos que acele­rassem a produção e barateassem os produtos.
Nessas condições, incentiva-se a pesquisa científica e se dissemi­nam atitudes de planejamento e racionalidade que, aos poucos, inse­rem-se na produção e no restante da vida cotidiana. Busca-se conhe­cer os mecanismos que regulam o mundo circundante, procurando o entendimento da vida e da natureza. O interesse pela produção agrí­cola manifestava-se no exame sistemático e controlado das plantas e dos animais, enquanto a observação e a classificação se transformam em método do conhecimento, perdendo sua atitude ingênua e sua espontaneidade. Multiplicam-se os jardins botânicos, os zoológicos e as coleções de espécimes, exibindo um novo tipo de curiosidade e a preocupação com procedimentos adequados de estudo e observação. O conhecimento desprende-se também do visível para apreender rea­lidades interiores e invisíveis, só discerníveis pelo uso adequado da investigação racional. Aumentam as indagações acerca do movimen­to mecânico e da luz.
Museus ou "gabinetes de curiosidades" proliferaram nos séculos XVI. XVII e XVIII. Alguns deles eram famosos em toda a Europa: não só os gabinetes dos príncipes (Rodolfo II. em Praga, por exemplo, ou Luis XIV. em Pa­ris), mas também de indivíduos particulares, como o clé­rigo Manfreclo Settala. em Milão, o professor Ulisse Aldrovundi. em Bolonha, o boticário Basilius Besler. em Xuremberg... Nada menos que 723 coleções eram conhe­cidas no século XVII só em Paris.

A sociedade inteligível

E, sobre a base do individualismo e da laicidade estimulados no Renascimento, essa curiosidade científica se dirige, de forma inusitada, para a compreensão da sociedade, que passa a ser vista como uma realidade diferente e própria, sobre a qual interferem os homens como agentes. Da ação consciente e interessada sobre a sociedade resultam diversos modelos de organização política — a República, a Monarquia — que devem ser defendidos e implementados como formas possíveis de intervenção e não como resultado do acaso ou do destino da humanidade. Sua validade deve ser buscada na argumentação coerente e racional que tem por objetivo a realização do homem na comunidade e o exercício de sua liberdade. Con­seguia-se, assim, vislumbrar, nesses primórdios do pensamento sociológico, a oposição entre indivíduo e sociedade, entre liberdade e controle social.

Os anos da metade do século XXII foram significativos pelo uso de panfletos e jornais em que monarquistas e par­lamentaristas expressavam seus respectivos pontos de vista. Entre 1640 e 1663. um livreiro. Georges Thomason, equiva­lente inglês cio parisiense LTstoile. coletou perto de quinze mil panfletos e mais de sete mil jornais, coleção conservada na Biblioteca Britânica e conhecida como Thomason Tratos. A deflagração cia guerra civil também coincidiu com o cha­mado "surgimento do livro cie notícias inglês" em 1641. Mercurius Aulicus foi um jornal importante para um dos lados, e Mercurius Britannicus, o equivalente para o outro lado, cada qual produzindo sua versão dos eventos...

A Ilustração, movimento filosófico que sucedeu o Renascimento, ba­seava-se na firme convicção da razão como fonte de conhecimento, na crítica a toda adesão obscurantista e a toda crença sem fundamentos racionais, assim como na incessante busca pela realização humana. Em relação à vida social, os filósofos da Ilustração procuraram entender a sociedade como um organismo vivo, ou seja, composto de partes interdependentes, cada uma delas com suas características e necessida­des — a agricultura, a indústria, a cidade, o campo. Desse exercício de discernimento resultou também a compreensão de diferentes instâncias da vida social — as relações políticas, jurídicas e sociais.
Das relações entre partes e instâncias constituintes depende o funciona­mento do todo, no qual se fundamenta o conceito de nação - um conjunto organizado de relações intersocietárias. O nacionalismo emergente do Renascimento, identificado ainda com a pessoa do monarca e associado ao sentimento de fidelidade e sujeição, dá lugar à noção de uma coletividade organizada e contratual, representada por sistemas legais, políticos e admi­nistrativos convenientes. O poder surge como uma construção lógica e jurí­dica, independente de quem o ocupa, de forma temporária e representativa.
Percebe-se nos filósofos da Ilustração o aprofundamento no estudo das relações sociais, o desenvolvimento de análises abstratas da realida­de e a capacidade de criar modelos explicativos para o funcionamento da vida social. Todo esse esforço filosófico se expressava tanto no princí­pio de representatividade política como na construção de teorias para explicar a origem da riqueza e do valor das mercadorias. Conceitos como o de Valor e Estado exigiram um esforço teórico importante: identificar as relações fundamentais para a compreensão de um objeto, apreender aquilo que é permanente nessas relações em diferentes épocas e lugares e, assim, construir modelos abstratos que expliquem seu funcionamento. E, finalmente, projetar mudanças baseadas na ação humana organizada pela razão, pela vontade e pela expectativa de uma vida mais satisfatória.

Em busca da razão prática

O Renascimento correspondeu a um período de sistematização do pensamento burguês, caracterizado por uma mentalidade laica que va­lorizava o gosto pela vida e o racionalismo, atribuindo ao indivíduo va­lores pessoais que não provinham da sua origem, propriedade ou casta. E, embora ainda expressasse certa transcendental idade religiosa, o Renascimento exaltava a natureza e os benefícios da vida terrena, fos­sem eles o êxtase religioso ou o simples prazer dos sentidos.
Já nos séculos XVII e XVIII, entretanto, o fortalecimento de um pode­roso mercado internacional, praticamente de âmbito mundial, o avanço na produção massiva de produtos (início da Revolução Industrial na In­glaterra, no século XVIII) e a consolidação do lucro como uma atividade desejável e justa, foram fatores que estimularam a intelectualidade bur­guesa a avançar para a elaboração de um pensamento próprio. Assim, o conhecimento se transformava não só numa exaltação da vida e dos fei­tos de seus heróis, mas também num processo que se revelava útil e aplicável à vida prática. Afinal, o desenvolvimento industrial se anuncia­va em toda sua potencialidade e os empreendimentos, quando bem diri­gidos, prometiam lucros miraculosos. Era preciso preparar as pessoas para isso e planejar a produção em bases confiáveis e experimentais.
A sociedade apresentava necessidades urgentes que desafiavam os cientistas. De um lado, melhores condições de vida; prolongamento da existência humana e uma predisposição das pessoas para usufruírem, sempre que possível, tudo o que se produzisse de bom e de bens. De outro, o desenvolvimento tecnológico capaz de baratear os produtos, aumentando a produtividade e aprimorando a produção e a armazena­gem de mercadorias, o transporte e a distribuição de pessoas e bens. Tudo isso resultaria na formação de um grande contingente de trabalha­dores e de consumidores, em novos hábitos de vida e de relacionamen­to, no uso de novas tecnologias e produtos. A sociedade avançava para a indústria e a cultura de massa.
Mas planejar e projetar o futuro exigia a concepção de um tempo e de um espaço determinados, confirmando o nascente conceito de esta­do nacional — um território soberano sobre o qual a burguesia reinava, imprimindo uma política que privilegiava o desenvolvimento econômi­co e as necessidades do mercado. A nação deveria se orientar por uma política que favorecesse a prosperidade e a acumulação de riqueza e que tivesse no indivíduo sua mola-mestra. Um indivíduo liberto das amar­ras do passado — da religião, da fé, da culpa e do pecado, das oficinas de ofício, dos soberanos e dos sacerdotes —, mas pleno de desejos e expectativas de realização pessoal e de liberdade para agir, movimentar-se, consumir, gerir negócios e lucrar.
Novos valores guiando a vida social para sua modernização, mais pesquisas e a exploração de novos campos do saber, avanços técnicos,melhoria nas condições de vida, tudo isso somado produziu um clima muito otimista em relação ao futuro do homem, o que levou a esse surto de ideias, conhecido pelo nome de "Ilustração". Um movimento que propunha uma atitude curiosa e livre que se estendia tanto à elaboração teórica como à sistemática observação empírica. Que acreditava ser o conhecimento fonte de saber, de realização e de satisfação para a huma­nidade. Que acreditava na evolução incessante do ser humano em dire­ção a etapas cada vez mais avançadas de sua existência como espécie.

A filosofia social dos séculos XVII e XVIII

Todas essas mudanças que tiveram origem no Renascimento, envol­vendo o destino das nações, o desenvolvimento das comunicações e dos transportes, a ciência e o conhecimento, tiveram, inicialmente, mais êxi­to com governos absolutistas e centralizados que haviam selado a alian­ça entre a antiga nobreza feudal e a emergente burguesia comercial. Porém, conquistadas as primeiras vitórias dessa revolução econômica e política, em que um poder central garantira a emergência e a organiza­ção dessa nova ordem social, os estados absolutistas se tornavam um empecilho às exigências de liberdade e expansão do mercado. A bur­guesia ansiava por se libertar das amarras estabelecidas pelas monarqui­as absolutas que atravancavam a livre iniciativa, a liberdade de comércio e a concorrência entre salários, preços e produtos.
A burguesia já se sentia suficientemente forte e confiante em seus propósitos para dispensar o absolutismo, regime que havia permitido a consolidação do capitalismo. Fortalecida, ela propunha agora formas de governo baseadas na legitimidade popular, dentre as quais surgia pre­ponderante a idéia de República. Inspirada por ela, ergueram-se bandei­ras conclamando o povo a aderir à defesa da igualdade jurídica, da de­mocracia, ainda que restrita, e da liberdade de manifestação política.
O pensamento da Ilustração defendia a idéia da economia regida por leis naturais de oferta e procura que tendiam a estabelecer, pela livre concorrência, de maneira mais eficiente do que os decretos reais, o me­lhor preço, o melhor produto e o melhor contrato. Fiéis a essa proposta havia economistas que apostavam na indústria e os que defendiam a agricultura como a fonte de toda riqueza, opondo-se ao uso ocioso que a nobreza fazia de suas propriedades agrárias — eram os chamados fisiocratas.
Tendo por base a idéia de que a sociedade era regida por leis naturais, semelhantes em seu determinismo àquelas que regem a natureza e a relação entre as espécies, os filósofos da Ilustração rejeitavam toda forma de controle político que interviesse sobre essa racionalidade natural e física. O controle das relações humanas, especialmente as produtivas, deveria resultar da livre ação dessas leis, cuja lógica era objetivo da ciên­cia descobrir.
Dentre os defensores da racionalidade como base da organização da vida e do pensamento humano destacaram-se os franceses René Descartes e Denis Diderot. O primeiro deles, por sintetizar essa fé inabalável na razão na frase "penso, logo existo", acabou por em­prestar seu nome — em latim, Cartesius — a esse princípio que ficou conhecido como "racionalismo cartesiano".
Assim, a idéia de uma racionalidade natural perpassava a compreen­são do homem, de sua vida em sociedade e de suas atividades produti­vas. O princípio de liberdade admitia que, livre de coibições, obstáculos e jugos, o homem seria capaz de exercer sua soberania, escolhendo bem entre fins e objetivos propostos. As leis naturais regulariam as relações econômicas e as sociedades seriam construídas com base na vontade livre e nas relações contratuais firmadas entre os homens.
Também francês, jean-Jacques Rousseau foi um dos mais ardorosos defensores dessa idéia e um dos mais ferrenhos críticos da sociedade de seu tempo. Em sua obra Contrato social, afirmava que a base da vida social estava no interesse comum e no consentimento unânime dos homens em renunciar às suas vontades particulares em favor da coletividade.
Mais pessimista que outros filósofos da sua época, Rousseau rejeita­va a idéia de evolução e, buscando desvendar a origem das desigualda­des sociais, procurou reconstruir a história da humanidade desde o igualitarismo primitivo até a sociedade complexa e diferenciada. Desse modo, identificou no aparecimento da propriedade privada a fonte de toda diferenciação e injustiça social. Tornou-se, assim, partidário de uma sociedade que defendesse princípios igualitários e cuja organiza­ção política tivesse uma base livre e contratual, principais lemas da Revolução Francesa que se avizinhava.

Jean-Jacques Rousseau
(1712-1778)

Nascido em Genebra, filho de burgueses protestantes, Rousseau teve uma vida errante que o levou continuamente da Suíça à França, à Itália e à Inglaterra. Foi aprendiz de gravador, secretário de nobres ilustres e até seminarista. Dedicou-se também ao desenho, à pintura e à música. Na França, foi contemporâneo de filósofos da Ilustração, como Diderot. Suas principais obras foram Emílio, Contrato social, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens e Discurso sobre as ciências e as artes. Foi alvo de críticas severas e perseguições, mas na época da Revolução Francesa suas idéias foram intensamente divulgadas.
John Locke, pensador inglês, também defendeu a idéia da sociedade resultante da ivre associação entre indivíduos dotados de razão e vonta­de que, como para Rousseau, teria uma base contratual. Esta regularia,entre outras coisas, as formas de poder e as garantias de liberdade indivi­dual. Mas, diferentemente do pensador francês, Locke reconhecia, entre os direitos individuais, o respeito à propriedade. Recomendava também que tais princípios, direitos e liberdades estivessem expressos e garanti­dos por uma constituição.
Esses filósofos — por sua preocupação histórica e por encararem a sociedade como uma matéria em desenvolvimento, de origem natural e não-divina — davam início a uma forma de pensar que levaria à desco­berta das bases materiais das relações sociais. Percebe-se claramente que se conscientizavam da diferença entre indivíduo e coletividade, que já identificavam a existência de regras que dirigiam a vida coletiva, seme­lhantes às leis naturais que regiam o surgimento, desenvolvimento e rela­ções entre espécies. Mas, presos ainda ao princípio da individualidade, esses filósofos entendiam a vida coletiva como a fusão de sujeitos, possi­bilitada pela manifestação explícita das suas vontades.

John Locke
(1632-1704)

Inglês de Wrington, formado em Oxford, ingressou na carreira di­plomática. Durante o período em que residiu na França, tomou con­tato com o método cartesiano. Sofreu perseguições políticas na In­glaterra que o obrigaram a se refugiar na Holanda. Em sua obra Dois tratados sobre o governo civil, defende o liberalismo político, os direitos naturais do homem e da propriedade privada. Suas idéias políticas tiveram grande repercussão, assim como sua contribuição ao problema do conhecimento, expressa na obra Ensaio sobre o en­tendimento humano, na qual repudia a proposição cartesiana de que o homem possua idéias inatas e defende o conhecimento como resultado da experiência, da percepção e da sensibilidade. Publi­cou, ainda, Epístola sobre a tolerância, Alguns pensamentos sobre educação e Racionalidade do cristianismo.
Adam Smith: o nascimento da ciência econômica
Foi Adam Smith, considerado fundador da ciência econômica, quem demonstrou que a análise científica podia ir além do que era expressa­mente manifesto nas vontades individuais. Na busca por entender a ori­gem da riqueza das nações, Smith identificou no trabalho, ou seja, na produtividade, a grande fonte de produção de valor. Não somente a agri­cultura, como queriam uns, nem a indústria, como queriam outros, mas principalmente o trabalho — capaz de transformar matéria bruta em mer­cadoria— era responsável pela riqueza das nações. Veremos adiante como essa idéia será retomada e reelaborada no século XIX por Karl Marx.
Nesse esforço por entender as relações econômicas, Adam Smith pensava a sociedade não como um conjunto abstrato de indivíduos do­tados de vontade e liberdade, tal como haviam feito Rousseau e Locke, mas como um conjunto de seres cujo comportamento obedece a regras diferentes das que regem a ação individual. Sensível à verdadeira nature­za da vida social, Adam Smith percebia que a coletividade era muito mais do que a soma dos indivíduos que a compõem. A Revolução Indus­trial estava em pleno andamento e seus frutos se anunciavam.

Adam Smith
(1723-1790)

Nasceu na Escócia. Foi professor da Universidade de Glasgow e é considerado o fundador da ciência econômica. O seu principal estu­do foi a investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, que originou a sua famosa obra A riqueza das nações. Desen­volveu idéias a respeito da divisão do trabalho, da função da moeda e da ação dos bancos na economia. Continuou seus estudos no livro Teoria dos sentimentos morais, no qual afirma que a vida social hu­mana está fundada em sentimentos de benevolência e simpatia. Foi o grande defensor do liberaljsmo econômico.

Legitimidade e liberalismo

As teorias sociais da Ilustração no século XVIII expressam o des­pertar do pensar científico sobre a sociedade. Tiveram o poder de ori­entar a ação política e lançar as bases do que viria a ser o Estado capitalista, constitucional e democrático, desenvolvido no século XIX. Incentivaram diferentes movimentos políticos pela legitimação do poder, fosse de caráter monárquico, como na Revolução Gloriosa da Inglaterra, fosse de caráter republicano, como na Revolução France­sa, ou ainda do tipo ditatorial, como no império napoleônico. Tão importante quanto seu valor como forma de entendimento da vida social foi sua repercussão prática na vida política da sociedade.
A filosofia social desse período teve, em relação à renascentista, a vantagem de não constituir apenas uma crítica social baseada no que a sociedade poderia idealmente vir a ser, mas de criar projetos concretos de realização política para a sociedade burguesa emergente.
A idéia de Estado como uma entidade cuja legitimidade se baseia na pretensa representatividade da sociedade é um avanço em relação à idéia de monarquia absoluta. Não se trata mais de uma pessoa que governa por direito de herança e sangue, mas de uma instituição abs­trata que administra um território a partir de pactos estabelecidos pela coletividade. A filosofia social da Ilustração concebia também a idéia de nação como o gerenciamento e administração de leis, riquezas e poder. Nesse processo pressupõe-se a noção de conflito de interesses e o confronto social.
As idéias de Locke e de Montesquieu, outro importante pensador da Ilustração, foram a base da Constituição norte-americana de 1 787. Am­bos pregaram a divisão do Estado em três poderes: o legislativo, incum­bido da elaboração e da discussão das leis; o executivo, encarregado de sua execução e da proteção dos direitos naturais à liberdade, à igual­dade e à propriedade; e o judiciário, responsável pela fiscalização à observância das leis que asseguravam os direitos individuais e seus li­mites. Essa divisão estabelecia a distribuição das tarefas governamen­tais e a mútua fiscalização entre os poderes do Estado. Locke defendia, ainda, a idéia de que a origem da autoridade não se encontra nos privi­légios da tradição, da herança ou da concessão divina, mas no contrato expresso pela livre manifestação das vontades individuais.
A legislação norte-americana, instituindo a divisão do Estado nos três poderes e estabelecendo mecanismos para garantir a eleição legítima dos governantes e os direitos do cidadão, pôs em prática os ideais políti­cos liberais e democráticos modernos. Assim, os Estados Unidos da Amé­rica constituíram a primeira república liberal-democrática burguesa.
A crise das explicações religiosas e o triunfo da ciência

O milagre da ciência

A filosofia da Ilustração preparou o terreno para o surgimento das ciências sociais no século XIX, lançando as bases para a sistematização do pensamento científico e espalhando otimismo em re­lação a ele. Os efeitos de novos inventos, como o pára-raios e as vacinas, o desenvolvimento da mecânica, da química e da farmácia, amplamente verificáveis, pareciam coroar de êxitos as atividades científicas. Sem se dar conta das nefastas conseqüências que a Re­volução Industrial do século XVIII traria para o mundo tradicional agrário e manufatureiro, os homens da época se mostraram otimis­tas em relação às vitoriosas conquistas do conhecimento humano e em sua capacidade de controlar as forças'da natureza.
As idéias de progresso, racionalismo e cientificismo exerceram todo um encanto sobre a mentalidade da época — a vida parecia submeter-se aos ditames do homem esclarecido. Preparava-se o ca­minho para o amplo progresso científico que aflorou no final do século XIX.
O número de descobertas e inventos se multiplica, de modo que é impossível acompanhá-lo. Lembrem-se ape­nas de algumas coisas, por sua importância ou curiosida­de. Aperfeiçoando os relógios, no início do século XVI inventa-se o relógio portátil, de tanta utilidade, pois os an­teriores eram em geral grandes e de difícil manobra... ou­tro aparelho que ocupou atenções e deu muito trabalho foi a máquina têxtil. A roca. bem conhecida, obrigava a fiar e depois a enrolar os fios em uma bobina. Um aperfeiçoa­mento permite realizar ao mesmo tempo as duas tarefas.
Se esse pensamento racional e científico parecia válido para explicar a natureza, intervir sobre ela e transformá-la, ele poderia também expli­car a sociedade entendida, então, como parte da natureza. Assim, por associação, a sociedade poderia também ser conhecida e transformada, submetendo-se ao domínio cio conhecimento humano.

As questões de método

O filósofo da Ilustração preocupou-se não só com o conhecimento da natureza como também com o desenvolvimento do método mais ade­quado para esse fim. Desse interesse derivaram diferentes modelos de pesquisa e de maneiras de se fazer ciência. O primeiro foi a indução — método que concebia o conhecimento como resultado da experimenta­ção contínua e do aprofundamento da manipulação empírica, defendi­do por Bacon desde o alvorecer do Renascimento. O segundo, que teve em Descartes seu mais ardoroso representante, foi o método dedutivo, que propunha uma forma de conhecimento baseado no encacleamento lógico de hipóteses elaboradas a partir da razão.
A ciência se fundava, portanto, como um conjunto de idéias que diziam respeito à natureza dos fatos e aos métodos para compreendê-los. Por isso, as primeiras questões que os sociólogos do século XIX tentam res­ponder são relativas à identificação e definição dos fatos sociais e ao método mais apropriado de investigação. Tanto o método indutivo de Bacon como o dedutivo de Descartes serão traduzidos em procedimen­tos válidos para as pesquisas sobre a natureza da sociedade.

O anticlericalismo

De especial importância para o desenvolvimento científico e uma pos­tura especulativa diante da natureza e da sociedade foi o anticlericalismo, professado por inúmeros filósofos dessa época, dentre os quais se destaca­va o francês Voltaire. Ferrenho questionador da religião e da Igreja Católica, chegou a mover ações judiciais para revisão de antigos processos de inquisição. Conseguiu comprovar a injustiça de alguns veredictos eclesiais e até obteve indenizações para as famílias dos condenados.
Na baixa Idade Média, onde de fato a Igreja era antes de tudo um amestramento. caçavam-se por toda parte os mais belos exemplares das "bestas loiras". "Melhora­vam-se". por exemplo, os nobres alemães. Mas com o que se parecia em seguida um tal alemão "melhorado". scduxido para o interior do clausuro? Com uma caricatu­ra do homem, com um aborto. Ele tinha se tornado um "pecador", ele estava em uma jaula, tinham-no encarce­rado entre puros conceitos apavorantes... Aí jazia ele. doente, miserável, malévolo para consigo mesmo; cheio de ódio contra os impulsos da vida. cheio de suspeita contra tudo que ainda era forte e venturoso. Resumindo. um "cristão"...
Assim a Igreja foi questionada como fonte de poder secular, político e econômico, na medida em que se imiscuía em questões civis e de Esta­do. Tal questionamento levou à descrença na doutrina e na infalibilidade eclesiásticas, bem como ao repúdio da secular atuação do clero.
Esse processo, denominado por alguns historiadores "laicização da sociedade", por outros, "descristianizacão", atingiu seu apogeu no sécu­lo XIX, quando se desenvolveu o materialismo e quando a própria reli­gião se viu transformada em objeto de estudo pelos cientistas sociais.
Francis Bacon
(1561-1626)
Inglês, nascido de família de intelectuais, tornou-se jurista e chanceler. Em seus livros busca mostrar que enquanto a filosofia estéril se perde em devaneios, as técnicas avançam sob domínio do método experimental.
François Marie Arouet
(1694-1778)
Francês, filho de um burguês com uma aristocrata, demonstrou pen­dores para a literatura já em tenra idade. Criado por jesuítas, acaba por conviver com intelectuais e artistas e desenvolve uma atitude cé-tica diante da vida. Acaba preso na Bastilha quando assume o pseu­dônimo de Voltaire. Exilado, passa a viver na Inglaterra, mas retorna a Paris, onde morre em idade avançada.
A Igreja como objeto de pesquisa
A existência da Igreja como instituição social foi discutida por alguns pensadores e sociólogos do século XIX. Émile Durkheim a considerava um meio de integrar os homens em torno de idéias co­muns. Karl Marx a julgava responsável por uma falsa imagem dos problemas humanos, ligada à acomodação e à submissão pregadas por sua doutrina.
Defendida por uns, repudiada por outros, a Igreja perdia, de qual­quer maneira, o importante papel de explicar o mundo aos homens, passando, ao contrário, a ser explicada por eles. A religião começa a ser encarada como um dos aspectos da cultura humana, uma insti­tuição como outras, criada pelos homens com finalidades práticas, muitas delas mais voltadas aos interesse terrenos e materiais do que à vida espiritual. Assim, a Igreja e sua doutrina sofreram um processo de dessacralização, em que se eliminou muito de sua "aura" de transcendentalismo. Todas as religiões — em especial o catolicismo — passavam por análise crítica, que as julgava positiva ou negativa­mente dependendo de sua inserção na vida concreta e material dos homens, como promotora de valores sociais importantes para a ori­entação da conduta humana. Na filosofia, grandes pensadores siste­matizaram o pensamento laico e anticlerical. Feuerbach, filósofo ale­mão, sustentava que não era o homem obra divina, mas, ao contrá­rio, fora Deus inventado pelo homem, à sua imagem e semelhança. Nietzsche chega a anunciar a morte de Deus e a necessidade de o homem assumir a plena responsabilidade sobre sua existência no mundo.
Ludwig Feuerbach
(1804-1872)
Filósofo natural da Baviera, dedi­cou-se a estudar a religião de um ponto de vista humanista e antro­pológico que privilegiava a neces­sidade humana do pensamento re­ligioso e mágico.
Friedrich Nietzsche
(1844-1900)
Filósofo alemão, estudioso da civilizaç grega, criticou o cristianismo e foi deténs da cultura germânica. Escreveu OAnticris no qual afirmava ser o cristianismo uma i ligião de escravos, responsável pela dec dência do Império Romano.
Esse olhar laico e especulativo sobre a doutrina religiosa impulsio­nou o desenvolvimento das ciências humanas, em particular das ciências sociais, na medida em que a sociedade deixou de ser vista como criação divina e que as dificuldades humanas deixaram de ser pensadas como castigo. Para o pensamento cientificista do século XIX, a vida humana e terrena adquire importância e um homem preocupa­do com seu bem-estar e sua realização pessoal passa a indagar sobre as razões de ser de seus conflitos e até mesmo sobre a origem paga das crenças religiosas.
A sacralização da ciência
A sociologia se desenvolveu no século XIX, quando a racionalidade das ciências naturais e de seu método haviam obtido o reconhecimen­to necessário para substituir a religião na explicação da origem, desen­volvimento e finalidade do mundo.
Nesse momento, a ciência, com a possibilidade de desvendar as leis naturais do mundo físico e social, por meio de procedimentos adequa­dos e controlados, havia conquistado parte da sacralidade que antes pertencera às explicações religiosas: a de apontar aos homens o cami­nho em direção à verdade.
A ciência já não parecia mais uma forma particular de saber, mas a única capaz de explicar a vida, abolir e suplantar as crenças religiosas e até mesmo as discussões éticas. Supunha-se que, utilizando-se ade­quadamente os métodos de investigação, a verdade se descortinaria diante dos cientistas — os novos "magos" da civilização —, quaisquer que fossem suas opiniões pessoais, seus valores sobre o bem e o mal, o certo e o errado.
Com a mesma proposta de isenção de valores com que se descobri­ria a lei da gravitação dos corpos celestes no universo, julgava-se possí­vel descobrir as leis que regulavam as relações entre os homens na sociedade, leis naturais que existiriam independentemente do credo, da opinião e do julgamento humano. O poder do método científico assim se assemelhava ao poder das antigas práticas mágicas: bem usa­do, revelaria ao homem a essência da vida e suas formas de controle.
Toda essa nova mentalidade, reforçando a crença na materialidade da vida e no poder da ciência, orientou a formação da primeira escola científica do pensamento sociológico, o positivismo, que estudaremos no próximo capítulo.
      

Um comentário:

Anônimo disse...

o que vai cair em História na UPE do MD?